De Cicarelli a Saddam.
Segundo o dicionário Aurélio de língua portuguesa, censura é “1. proibir a divulgação, ou a execução de; 2. fazer cortes em; 3. criticar, notar; 4. Fazer reparos sobre falha, defeito, omissão, etc. em; condenar, reprovar; 5. Admoestar com energia; repreender; 6. Demonstrar reprovação, crítica, ou ressentimento, por meio de gesto, olhar, etc.; 7. Reprochar, exprobrar; 8. Proibir (filme, livro, etc.)” Com tantas opções que nos são dispostas, fica até mais fácil compreender a que ponto chegou os meios de controle brasileiros, que nos mostraram, mais uma vez, quão inconsistentes e falhos são ao bloquear o site do Youtube, no dia 9 de janeiro. Não obstante, lançaram mão de táctica totalmente obsoleta que remontou aos períodos de caça-às-bruxas, pondo na fogueira milhões de usuários que não possuíam nenhum tipo de vínculo com nossa modelon e seu namorado, outrora desconhecido. Ficou provado que o comodismo de se atacar as conseqüências – sem, contudo, analisar-se primeiramente as causas – ainda é imperativo quando se trata de assuntos que merecem uma devida reflexão.
“1. proibir a divulgação, ou a execução de.” Todos pensavam ser rumor que alguns desembargadores e juízes, responsáveis pelo caso acima citado, fossem, de fato, bloquear o site de compartilhamento de vídeos, que recebe mais de milhões visitas por dia. Assim como se especulou sobre um eventual bloqueio a ser feito contra o orkut, a hipótese de ter o Youtube fora da rotina de acesso à Internet, assustou a muitos que se viam consumidos pelo hábito. Quando o fato foi oficializado, essas mesmas pessoas que não esperavam por tal desfecho, contrário às suas expectativas – afinal, o boato do orkut, como todo boato, mostrou-se irrisório, sendo abatido por desculpas técnicas –, mobilizou-se individualmente, atirando para todos os lados: queria-se boicotar a mtv, xingaram a Cicarelli, seu namorado, botaram os nomes na boca do sapo, enfim, serviram-se de toda sorte de mau augúrio imaginável a fim de que, tendo na revolta sua santa válvula de escape, conformassem-se com a terrível e cruel realidade que se esboçava num horizonte próximo: a vida sem o Youtube.
“2. fazer cortes em.” Esse tipo de comportamento, entretanto, sob diversos aspectos, aproximava-se do mesmo adotado pelos censores, umas vez que, se estes não mobilizaram para apurar os verdadeiros culpados e aplicar a lei a quem se devia, aqueles, ainda dominados por uma infantilidade ímpar, típica de revolucionóides anti-impérios, determinaram que a saída mais sábia era o boicote. A emissora, já sentindo o bolso apertar, vazio, prontamente notificou um comunicado em que dizia que, “a maioria desses protestos no fundo compartilha dos mesmos desvalores que quer atacar pois fomenta a censura a um canal de televisão”. Correto, mas esses tais desvalores não são compartilhados em sua completude, como dito acima, pois a censura foi imposta, e o boicote, mesmo surgindo de uma minoria – irradiado, posteriormente, à massa de desocupados –, constitui uma ação livre ou, como muitos a têm chamado, “uma ação democrática”.
“3. criticar, notar” Democrática ou não, ainda acho de péssimo gosto querer mostrar toda e qualquer tipo de ideologia através de um simples boicote. Esses alcançam seus devidos propósitos não quando são dirigidos a esses fins. O buraco é mais embaixo. O boicote se faz sentir latente em um universo menor de pessoas, onde o número de afetados tende a exceder o total composto pelas pessoas desse mesmo universo. Não espere, num futuro próximo, que as grandes corporações dêem ouvidos aos anseios de seus consumidores através de protestos e boicotes. As soluções civilizadas e metodológicas revelam-se as mais eficazes, pois não representam problemas à ordem vigente, muito menos ameaçam a soberania do Estado. Por que não, no caso da Cica, parodiar o fato, aproveitando do momento para que se divulgue coisas que nos são muito mais importantes? O kairós, elemento que configura a oportunidade nas relações humanas, não é necessário somente no mercado da fala; antes, prolonga-se por toda cultura (humana).
“4. Fazer reparos sobre falha, defeito, omissão, etc. em” Após os tais 20 mil e-mails recebidos pela MTV, as centenas de reclamações em blogs e sites da Internet, o juiz resolveu voltar atrás e mandou desbloquear o Youtube... Tá, vamos recomeçar esse parágrafo a partir do segundo período: Após perceber que a medida não passava de um paliativo, e que de nada adiantava bloquear o site dos vídeos – pois, descendentes de Adão e Eva, padecemos da mesma compulsão que nos leva a consumir o proibido – (sempre existem alternativas), o juiz voltou atrás e mandou desbloquear o Youtube. Pronto, todos agora já podiam ver o vídeo do Saddam sendo enforcado, além, é claro, das tradicionais baboseiras e utilidades oferecidas pelo tubo.
“5. Admoestar com energia; repreender” Por falar em Saddam, talvez ele e a Cicarelli, juntos, protagonizassem um melhor desempenho na praia, rendendo não só mais comentários e trabalho para assessoria de imprensa de ambas as partes, como também uma repercussão em escala mundial. Não bastasse o ditador morrer, quis-se ver como que se deu o momento fatídico de sua morte. Uma das pessoas presentes na execução, aproveitando do máximo que a convergência digital oferece aos celulares, filmou os momentos anteriores, correntes e seguintes à morte do ex-ditador. Entrementes, uma torcida velada, ao ver tal vídeo, torcia em seus âmagos, que aquela alma fosse condenada e mandada aos círculos inferiores do inferno. Essa prece, todavia, não podia ser completa sem se ver o estado deplorável em que ficou o corpo após a forca, exibindo sangue em locais estratégicos, além de uma angulação sobre-humana no pescoço.
“6. Demonstrar reprovação, crítica, ou ressentimento, por meio de gesto, olhar, etc” No Oriente, pelo menos, instituiu-se a morte ao responsável pelo vídeo, sendo ele execrado por ter massificado um fato que causou o regozijo aos habitantes daqueles lados. Melhor assim, sem rodeios, mostrou-se que, mesmo causando guerras incessantes, aquele povo não confunde as coisas e mantém a hombridade e a humanidade. Aqui, por enquanto, age-se hipocritamente, remediando a parte sã do corpo, enquanto a débil convalesce em sua fraqueza.
“1. proibir a divulgação, ou a execução de.” Todos pensavam ser rumor que alguns desembargadores e juízes, responsáveis pelo caso acima citado, fossem, de fato, bloquear o site de compartilhamento de vídeos, que recebe mais de milhões visitas por dia. Assim como se especulou sobre um eventual bloqueio a ser feito contra o orkut, a hipótese de ter o Youtube fora da rotina de acesso à Internet, assustou a muitos que se viam consumidos pelo hábito. Quando o fato foi oficializado, essas mesmas pessoas que não esperavam por tal desfecho, contrário às suas expectativas – afinal, o boato do orkut, como todo boato, mostrou-se irrisório, sendo abatido por desculpas técnicas –, mobilizou-se individualmente, atirando para todos os lados: queria-se boicotar a mtv, xingaram a Cicarelli, seu namorado, botaram os nomes na boca do sapo, enfim, serviram-se de toda sorte de mau augúrio imaginável a fim de que, tendo na revolta sua santa válvula de escape, conformassem-se com a terrível e cruel realidade que se esboçava num horizonte próximo: a vida sem o Youtube.
“2. fazer cortes em.” Esse tipo de comportamento, entretanto, sob diversos aspectos, aproximava-se do mesmo adotado pelos censores, umas vez que, se estes não mobilizaram para apurar os verdadeiros culpados e aplicar a lei a quem se devia, aqueles, ainda dominados por uma infantilidade ímpar, típica de revolucionóides anti-impérios, determinaram que a saída mais sábia era o boicote. A emissora, já sentindo o bolso apertar, vazio, prontamente notificou um comunicado em que dizia que, “a maioria desses protestos no fundo compartilha dos mesmos desvalores que quer atacar pois fomenta a censura a um canal de televisão”. Correto, mas esses tais desvalores não são compartilhados em sua completude, como dito acima, pois a censura foi imposta, e o boicote, mesmo surgindo de uma minoria – irradiado, posteriormente, à massa de desocupados –, constitui uma ação livre ou, como muitos a têm chamado, “uma ação democrática”.
“3. criticar, notar” Democrática ou não, ainda acho de péssimo gosto querer mostrar toda e qualquer tipo de ideologia através de um simples boicote. Esses alcançam seus devidos propósitos não quando são dirigidos a esses fins. O buraco é mais embaixo. O boicote se faz sentir latente em um universo menor de pessoas, onde o número de afetados tende a exceder o total composto pelas pessoas desse mesmo universo. Não espere, num futuro próximo, que as grandes corporações dêem ouvidos aos anseios de seus consumidores através de protestos e boicotes. As soluções civilizadas e metodológicas revelam-se as mais eficazes, pois não representam problemas à ordem vigente, muito menos ameaçam a soberania do Estado. Por que não, no caso da Cica, parodiar o fato, aproveitando do momento para que se divulgue coisas que nos são muito mais importantes? O kairós, elemento que configura a oportunidade nas relações humanas, não é necessário somente no mercado da fala; antes, prolonga-se por toda cultura (humana).
“4. Fazer reparos sobre falha, defeito, omissão, etc. em” Após os tais 20 mil e-mails recebidos pela MTV, as centenas de reclamações em blogs e sites da Internet, o juiz resolveu voltar atrás e mandou desbloquear o Youtube... Tá, vamos recomeçar esse parágrafo a partir do segundo período: Após perceber que a medida não passava de um paliativo, e que de nada adiantava bloquear o site dos vídeos – pois, descendentes de Adão e Eva, padecemos da mesma compulsão que nos leva a consumir o proibido – (sempre existem alternativas), o juiz voltou atrás e mandou desbloquear o Youtube. Pronto, todos agora já podiam ver o vídeo do Saddam sendo enforcado, além, é claro, das tradicionais baboseiras e utilidades oferecidas pelo tubo.
“5. Admoestar com energia; repreender” Por falar em Saddam, talvez ele e a Cicarelli, juntos, protagonizassem um melhor desempenho na praia, rendendo não só mais comentários e trabalho para assessoria de imprensa de ambas as partes, como também uma repercussão em escala mundial. Não bastasse o ditador morrer, quis-se ver como que se deu o momento fatídico de sua morte. Uma das pessoas presentes na execução, aproveitando do máximo que a convergência digital oferece aos celulares, filmou os momentos anteriores, correntes e seguintes à morte do ex-ditador. Entrementes, uma torcida velada, ao ver tal vídeo, torcia em seus âmagos, que aquela alma fosse condenada e mandada aos círculos inferiores do inferno. Essa prece, todavia, não podia ser completa sem se ver o estado deplorável em que ficou o corpo após a forca, exibindo sangue em locais estratégicos, além de uma angulação sobre-humana no pescoço.
“6. Demonstrar reprovação, crítica, ou ressentimento, por meio de gesto, olhar, etc” No Oriente, pelo menos, instituiu-se a morte ao responsável pelo vídeo, sendo ele execrado por ter massificado um fato que causou o regozijo aos habitantes daqueles lados. Melhor assim, sem rodeios, mostrou-se que, mesmo causando guerras incessantes, aquele povo não confunde as coisas e mantém a hombridade e a humanidade. Aqui, por enquanto, age-se hipocritamente, remediando a parte sã do corpo, enquanto a débil convalesce em sua fraqueza.
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