Ano novo; violência, controle e sensacionalismo velhos.
Mais um ano que se passa, e as listas de promessas vão-se enchendo novamente. Se não bastasse não cumprir cerca de metade das anotadas no ano anterior, uma quantidade absurda de pessoas apela não só para esses famigerados mecanismos metafísicos de troca, mas também cultuam uma série de outros aparatos que não encontram subsídios na realidade, e que prometem resultados positivos depois da realização de determinadas tarefas – que incluem a ingestão de comidas diversas, uso de um número específico de objetos e banhos na cândida água do mar (o verdadeiro esgoto tupiniquim a essa época do ano): a saga hercúlea dos severinos e macunaímas. O ritual se repete todos os anos: um corpo constituído pela massa dos brasileiros comuta dos resquícios do espírito natalino, fortificado pelas desilusões e decepções de outrora, encontrando no aparato sonoro-luminoso a maneira pela qual se chegará aos deuses – porque, hão de convir, lançar fogos-de-artifício, analisando-se sob o prisma do ceticismo, não faz o menor sentido.
E o que se pôde reparar nos segundos finais de 2006? Que a nossa queria e mui amada Rede Globo de Televisão foi o veículo que não só acumulou a maior quantidade de renda – o que não é de espantar ninguém –, humildemente destinado a parte da festa realizada na Avenida Paulista, como também foi o veículo que se perpetua como dono de várias redes de poder, que muitas vezes passam imperceptíveis devido ao hábito.
O tempo, já dizia Kant, é matéria etérea que de fato não existe. É, com efeito, projeto de nossas mentes que não conseguem entender os ciclos em sua completude. Nossa Rede Plim-Plim, já ciente disso, não deixou que os ponteiros dos relógios Brasil afora não coincidissem, o que poderia gerar desunião e diferença nos instantes em que se desejaria “Feliz Ano Novo!”. Sim, percebam a gravidade que esse problema poderia causar! Assim, instantes antes da virada do ano, a emissora fez sua própria contagem regressiva que foi seguida à risca nas principais cidades em que os fogos brilhariam nos céus estrelados. Como dito, a falta de percepção pode fazer com que um acontecimento desses soe fútil e banal; da mesma forma que, tendo em mente o histórico da Rede Globo, o esquema de poderes e influência supranacional fica patente através dessas práticas lúdicas.
Enquanto isso, a tal solidariedade, que impera nos dias finais do ano, revelou-se hipócrita duas vezes. A primeira, já de praxe, que faz com que a visão de um mendigo na rua seja extremamente poética, e a ânsia em ajudá-lo sobrepuja a ação que de fato acontece; A segunda, por causa da execução do Saddam, realizada antes das “celebrações que tomam espaço no Oriente Médio”. Para decepção das emissoras de televisão, as cenas dos executores encapuzados, pondo a corda em volta do pescoço do ex-ditador, e o fato consumado, quando Saddam já estava morto, não entraram para as retrospectivas. Para corrigir o problema, a imagem foi exibida sucessivamente nos canais de redes de transmissão aberta e fechadas, rendendo, inclusive, um bônus nas horas seguintes: o enforcamento, literalmente.
Como um pouco mais de violência nunca faz mal, o pandemônio que acontecera em São Paulo repetiu-se no Rio de Janeiro, dessa vez em proporções maiores, envolvendo inocentes e causas que até então são desconhecidas. Ônibus são incendiados, pessoas são mortas, cabines dos policiais civis são fuziladas e o buzz se revela útil também nesse cenário – longe de ser buzz marketing, todavia. O presidente, enquanto se preocupa em deixa visível sua faixa presidencial – que remonta aos desfiles de miss – apela ao sensacionalismo, dizendo que tais ataques foram os ataques terroristas mais violentos que já viu. É claro, soa bonito na posse, mas revela-se argumento débil e, como todos nós sabemos, palavras ainda não são capazes de mudar os rumos do rio da história por aqui.
Coincidência ou não, cada vez mais o mundo assimila-se à distopia 1984. Temeroso ou não, cada vez mais considero George Orwel um visionário.
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