Espelho, espelho meu.
Se eu chegar a questionar se, de fato, existe alguém mais bonito que eu, a pergunta seria retórica, então lhes pouparei os olhos e os comentários rasga-seda. O que na realidade me motiva a escrever esse post é a amplitude que a beleza vem ganhando nas mídias e veículos de comunicação, sendo pauta difundida em espaços outrora não muito interessantes – como os programas jornalísticos e os sensacionalistas. Outra vez, os ideais de beleza voltam a povoar as rodas de discussão, a mítica da estética corporal transforma-se numa estátua oxidada a ser martelada e o cérebro das modelos é posto em xeque. Aquilo que se apregoava: dietas, malhação, suplementos, passam a ser a maçã comida por Eva no paraíso, e é isso que passam a ser as garotas raquíticas: moças inocentes, inebriadas pelo alcance de um objetivo homérico, impalpável, que, à sua percepção, era tangível.
A grande serpente, seguindo analogia, não poderia ser outro ícone que não a própria mídia. Ela, que após traçar sinuosas curvas pelos mares de gente, acaba por morder o próprio rabo: divulgava as receitas para adquirir o corpo perfeito, propunha-se acasalar com o primeiro centro de estética que visse pela frente, dando luz a inserções diárias, os vulgos merchandisings – que, convenhamos, não têm nada de merchandising. O momento da mordida em seu rabo, estridente e escamoso, é o que nos é apresentado atualmente, em que, defensora das diferenças étnicas, sexuais e morais, ela se propõe a questionar até que ponto a busca, que ela mesma deu início, é válida. Os dentes afiados vão se escondendo, a língua solta endireita-se e assistimos ao seu hipócrita processo de antropomorfismo: ganha pernas, braços, órgãos e, é claro, o que dizia faltar naquelas garotas, o cérebro.
O que ninguém tem coragem de dizer é que, usando o bom e velho inglês barato, almost anybody ain’t got the balls to do it. Mas, fazer o quê? Destruir o castelo que fora previamente construído com areia? Comover-se com o fato de que, diariamente, milhares de meninas põem o dedo na goela, expelindo o bolo alimentar de digestão precária? Ou atentar-se às pessoas que convivem ao nosso redor, provocando alardes quando se notar o primeiro sintoma de bulimia/ anorexia?
De minha parte, admiro a vontade incessante em se conseguir um corpo legal, digno de elogios e comentários positivos, nem que para isso tenha de se sujeitar a condições inumanas de sobrevivência. O processo de “embelezamento” em si já é doloroso e conflui somente os que traçaram objetivos concretos e não se deixam levar pelo primeiro brigadeiro exposto na prateleira da padaria. Que fique claro que não estou dizendo: “ei, leitor, levante essa bunda da cadeira, entre numa academia, pare de comer e se encha de drogas”. Não é a isso que quero visar; o que incomoda é o fato de a maioria dos críticos nunca ter se sujeitado a algum tipo de dieta, maluca ou não, e preparar sua saraivada de nonsense com o primeiro caso de morte com que se deparam.
Haverá sempre os bem intencionado, como os responsáveis pelo novo posicionamento da Dove na Campanha pela Real Beleza. Todavia, tenho o péssimo hábito de desconfiar de qualquer coisa a partir do momento em que ela passa a ser veiculada na mídia, o que me garante, na maioria das vezes, a típica gargalhada final:
O espelho não é opaco nem lhe indica os caminhos a serem traçados para que se alcance o corpo ideal. Somos vitimados, sim, por nossa consciência: se pesada, fará com que seu dono procure alternativas a fim de que o dano cometido seja reparado por uma dieta balanceada; se singela, será acometida por um susto repentino quando o dono sofrer algum distúrbio alimentar e/ou doenças curadas apenas pela ingestão regrada de remédios. Esses acabarão, em fim, sendo iguais àqueles. Só que ninguém admite. Talvez o que haja de mais louvável no cristianismo seja a preocupação com o templo em que se instala o Espírito Santo, o corpo. Abre-se mão de uma série de práticas, com o fim único de respeitar a fisiologia. Não obstante, a consciência também entra na dieta, colhendo os frutos semeados pelo temor divino :)
1 Comments:
Não é revolta contra a mídia -- até porque dependemos dela --, mas contra aqueles que a constituem.
O vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=fz5IRdFIpvA
Postar um comentário
<< Home