O poder da palavra
Li na faculdade, semana passada, o texto de um ensaísta, cujo nome não me recordo, que trazia uma profunda divagação acerca do universo imaginário-infantil, no que diz a respeito da invocação de feitiços, palavras mágicas e linguagem injuntiva intricada ao contexto lúdico, inerente às brincadeiras da faixa estária. Como (quase) todo ensaio, a reflexão deixou de habitar o campo das idéias, em detrimento da presunção de se propor acadêmico, passando a adotar aquela linguagem ofídea, regada à prolixia e nomes de teóricos que, certamente, são de utilidade única e exclusiva para análise de assuntos científicos. De qualquer forma, o autor contava que uma vez em que brincava com seus filhos de esconde-esconde, sentiu-se admirado com o poder que as crianças adquiriam naquela fatia de espaço e tempo, ao invocar certas palavras capazes de caracterizar a vitória sobre o outro. Isso, sem danos físico-morais, apenas palavras. E depois começava aquele sumo de academicismos execráveis.
Esse fato encontra subsídio históricos. Tomando-se a Bíblia como exemplo -- repito, como exemplo --, quando Moisés se deparou com a materialização de Deus pela primeira vez, na sarsa ardente, este, para que não se sentisse inferiorizado por aquele, atribuiu-se o nome de Ywh -- adaptado para Yaweh, posteriormente --, cuja pronúncia era impraticável pelos povos da época. Desta forma, mantinha-se à referência respeitosa ao grande Deus, pois nomear as coisas é possui-las, é atribuir-lhes significados e sentir-se dono das mesmas. Diametralmente oposto a esse comportamento, na contemporaneidade, mesmo sabendo-se o nome do demônio, faz-se de tudo para que se evite pronunciá-lo: da mesma forma que a nomeação atribui posse, ela também invoca seu ser representativo, como que num grande ritual de magia. Por conseguinte, ficou estabelecido no imaginário das pessoas temerosas, que o demônio, tão onisciente quanto sua antítese, materializar-se-á àquele que diz seu nome.
A cultura pop soube, mais que nenhum outro âmbito cultural, explorar essa força contida nas palavras e produziu uma série de desenhos, HQ's, mangás e filmes em que a esses conglomerados de letras, diferente do que muitos pensam, foram destinados a sina de personagem principal. Shazam, abracadabra, abre-te-cézamo, super-gêmeos-ativar, thunder-thunder-thunder-cats, pelos-poderes-de-greyskull, parangaricotirimírruaro, pirlimpimpim, entre tantas outras. Sem elas, haveria um imenso hiato na cultura popular, porque é certo que as lembranças advindas da infância deixam mais resquícios que aquelas adquiridas forçosamente, em idade adulta.
Faz-se necessário dizer, entretanto, que deve haver um comprometimento entre ambas as partes, enunciador e interlocutor, a fim de que tais palavras exerçam seu efeito completo. Caso contrário, de nada adianta sequer mecioná-las -- a não ser, é claro, se o intuito for o de exercitar o maxilar. Imagine quão desafiardor é para uma criança, que ordena seu universo através de palavras mágicas, ver seus imperativos sendo ignorados por aqueles que estão fora de sua área de domínio. Se a mesma não se sentir humilhada, buscando subterfúgio em caretas, ou até mesmo agressão física, pode-se contatar a ruptura de sua infância: não há mais papai noel, coelhinho da páscoa, e agora ela deve estar ciente de que o dia das crianças não passa de uma baboseira inventada por gente grande, para satisfazer seu antigo ego. A puberdade, estágio conseguinte, nada mais é que a apreensão dos valores sociais das "pessoas crescidas". O corpo, mais real que o antigo universo lúdico, é a nova preocupação, e a única magia desejada é a que pode mantê-lo belo e esbelto.
É por isso que dizer "Fora, Bush" não surtirá efeito algum. Primeiro porque o interlocutor não se encontra no espaço físico do enunciador, e aqui não nos referimos ao poder de encantamento das palavras como o daquelas de religiões afro-brasileiras; segundo: talvez o presidente estadunidense mal saiba que houve um número considerável de pessoas exigindo seu retorno -- considero essa hipótese após saber que as áreas pelas quais ele passou foram todas modificadas, gentrificadas e reerguidas, ou seja, a realidade também pode ter sofrido alguma maquiagem. Terceira e última hipótese: Bush não acredita no poder dessas palavras, e o máximo que pode ter ocorrido foi classificar a população brasileira como circense e simiesca.
Esse fato encontra subsídio históricos. Tomando-se a Bíblia como exemplo -- repito, como exemplo --, quando Moisés se deparou com a materialização de Deus pela primeira vez, na sarsa ardente, este, para que não se sentisse inferiorizado por aquele, atribuiu-se o nome de Ywh -- adaptado para Yaweh, posteriormente --, cuja pronúncia era impraticável pelos povos da época. Desta forma, mantinha-se à referência respeitosa ao grande Deus, pois nomear as coisas é possui-las, é atribuir-lhes significados e sentir-se dono das mesmas. Diametralmente oposto a esse comportamento, na contemporaneidade, mesmo sabendo-se o nome do demônio, faz-se de tudo para que se evite pronunciá-lo: da mesma forma que a nomeação atribui posse, ela também invoca seu ser representativo, como que num grande ritual de magia. Por conseguinte, ficou estabelecido no imaginário das pessoas temerosas, que o demônio, tão onisciente quanto sua antítese, materializar-se-á àquele que diz seu nome.
A cultura pop soube, mais que nenhum outro âmbito cultural, explorar essa força contida nas palavras e produziu uma série de desenhos, HQ's, mangás e filmes em que a esses conglomerados de letras, diferente do que muitos pensam, foram destinados a sina de personagem principal. Shazam, abracadabra, abre-te-cézamo, super-gêmeos-ativar, thunder-thunder-thunder-cats, pelos-poderes-de-greyskull, parangaricotirimírruaro, pirlimpimpim, entre tantas outras. Sem elas, haveria um imenso hiato na cultura popular, porque é certo que as lembranças advindas da infância deixam mais resquícios que aquelas adquiridas forçosamente, em idade adulta.
Faz-se necessário dizer, entretanto, que deve haver um comprometimento entre ambas as partes, enunciador e interlocutor, a fim de que tais palavras exerçam seu efeito completo. Caso contrário, de nada adianta sequer mecioná-las -- a não ser, é claro, se o intuito for o de exercitar o maxilar. Imagine quão desafiardor é para uma criança, que ordena seu universo através de palavras mágicas, ver seus imperativos sendo ignorados por aqueles que estão fora de sua área de domínio. Se a mesma não se sentir humilhada, buscando subterfúgio em caretas, ou até mesmo agressão física, pode-se contatar a ruptura de sua infância: não há mais papai noel, coelhinho da páscoa, e agora ela deve estar ciente de que o dia das crianças não passa de uma baboseira inventada por gente grande, para satisfazer seu antigo ego. A puberdade, estágio conseguinte, nada mais é que a apreensão dos valores sociais das "pessoas crescidas". O corpo, mais real que o antigo universo lúdico, é a nova preocupação, e a única magia desejada é a que pode mantê-lo belo e esbelto.
É por isso que dizer "Fora, Bush" não surtirá efeito algum. Primeiro porque o interlocutor não se encontra no espaço físico do enunciador, e aqui não nos referimos ao poder de encantamento das palavras como o daquelas de religiões afro-brasileiras; segundo: talvez o presidente estadunidense mal saiba que houve um número considerável de pessoas exigindo seu retorno -- considero essa hipótese após saber que as áreas pelas quais ele passou foram todas modificadas, gentrificadas e reerguidas, ou seja, a realidade também pode ter sofrido alguma maquiagem. Terceira e última hipótese: Bush não acredita no poder dessas palavras, e o máximo que pode ter ocorrido foi classificar a população brasileira como circense e simiesca.